"Cem anos do seu nascimento:
Miguel Torga lembrado no Casino
Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia Rocha, nasceu em São Martinho de Anta a 12 de Agosto de 1907 e morreu em Coimbra a 17 de Janeiro de 1995. Foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX.
O Casino Figueira assinala este domingo os cem anos do nascimento do escritor com um jantar cultural, a partir das 20h.30m.
Os clubes rotários do Baixo Mondego (Coimbra, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz) irão falar de Torga. Irá haver poesia e música no âmbito da vida e obra de Torga e também intervenções de José Carlos Seabra Pereira, docente universitário na Faculdade de Letras de Coimbra e do advogado e escritor António Arnaut.
A sessão será presidida pelo governador rotário do distrito 1970, Bernardino da Costa Pereira. Para a manhã de domingo está prevista a distribuição de poesia de Torga aos banhistas, em plena praia da Figueira, com a colaboração do Instituto Superior Miguel Torga.
Para o administrador do Casino Figueira, Domingos Silva, a iniciativa "é mais um serviço prestado à cultura da zona do Baixo Mondego".
O jantar, com gastronomia típica do norte alentejano, é aberto ao público em geral, ao preço individual de 25 euros.
A vida de Torga
Filho de gente humilde do campo do concelho de Sabrosa (Alto Douro), frequentou brevemente o seminário, e emigrou para o Brasil em 1920, com doze anos, para trabalhar na fazenda do tio, na cultura do café. O tio apercebe-se da sua inteligência e patrocina-lhe os estudos liceais, em Leopoldina. Distingue-se como um aluno dotado. Em 1925 regressa a Portugal. Em 1927 é fundada a revista Presença de que é um dos colaboradores desde o início. Em 1928 entra para a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e publica o seu primeiro livro, "Ansiedade", de poesia. É bastante crítico da praxe e tradições académicas, e chama depreciativamente "farda" à capa e batina, mas ama a cidade de Coimbra, onde viria também a exercer a sua profissão de médico a partir de 1939 e onde escreve a maioria dos seus livros. Em 1933 concluiu a formatura em Medicina, com apoio financeiro do tio do Brasil. Exerceu no início nas terras agrestes trasmontanas, de onde era originário e que são pano de fundo da maior parte da sua obra.
A obra de Torga tem um carácter humanista: criado nas serras transmontanas, entre os trabalhadores rurais, assistindo aos ciclos de perpetuação da Natureza, Torga aprendeu o valor de cada homem, como criador e propagador da vida e da Natureza: sem o homem, não haveria searas, não haveria vinhas, não haveria toda a paisagem duriense, feita de socalcos nas rochas, obra magnífica de muitas gerações de trabalho humano. Ora, estes homens e as suas obras levam Torga a revoltar-se contra a Divindade Transcendente a favor da imanência: para ele, só a humanidade seria digna de louvores, de cânticos, de admiração: (hinos aos deuses, não/os homens é que merecem/que se lhes cante a virtude/bichos que cavam no chão/actuam como parecem/sem um disfarce que os mude).
Para Miguel Torga, nenhum deus é digno de louvor: na sua condição omnisciente é-lhe muito fácil ser virtuoso, e enquanto ser sobrenatural não se lhe opõe qualquer dificuldade para fazer a Natureza - mas o homem, limitado, finito, condicionado, exposto à doença, à miséria, à desgraça e à morte é também capaz de criar, e é sobretudo capaz de se impor à Natureza, como os trabalhadores rurais transmontanos impuseram a sua vontade de semear a terra aos penedos bravios das serras. E é essa capacidade de moldar o meio, de verdadeiramente fazer a Natureza mau grado todas as limitações de bicho, de ser humano mortal que, ao ver de Torga fazem do homem único ser digno de adoração. Considerado por muitos como um avarento de trato difícil e carácter duro, foge dos meios das elites pedantes, mas dá consultas médicas gratuitas a gente pobre e é referido pelo povo como um homem de bom coração e de boa conversa. Foi o primeiro vencedor do Prémio Camões."
Fonte: Jornal "O Figueirense", edição nº. 5520, de 10-08-2007
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