22
Set06
Batalha do Rio de Sacavém
Praia da Claridade
Batalha de D. Afonso Henriques junto à Ponte Romana de Sacavém (1147)
A mítica Batalha do Rio de Sacavém terá sido um recontro travado entre o primeiro rei português, D. Afonso Henriques, e os Mouros, imediatamente antes da conquista de Lisboa, em Outubro de 1147, às margens do Rio Trancão (antigamente chamado de Rio de Sacavém), junto da antiga ponte romana que cruzava o rio.
Precedentes
Após a conquista de Santarém, Afonso Henriques preparou-se para tomar Lisboa e assim consolidar definitivamente não só a linha do Rio Tejo como a própria independência de Portugal – o domínio do seu fértil vale garantia-lhe a plena auto-suficiência e malograva os planos leoneses de re-anexar Portugal.
Entretanto, espalhava-se pela Estremadura a notícia de que os cristãos já cercavam Lisboa, tornando-se imperativo ajudar adefender a todo o custo o derradeiro reduto muçulmano a Norte do Rio Tejo.
Assim sendo, ter-se-iam reunido nas proximidades de Sacavém, a norte do seu rio, prontos a dar luta e a desbaratar as forças de Afonso Henriques, cerca de cinco mil muçulmanos oriundos não só da Estremadura (Alenquer, Lisboa e Sacavém), como até do Oeste (Óbidos e Torres Vedras) e do Ribatejo (Tomar e Torres Novas), sob o comando do wali (alcaide muçulmano) de Sacavém, Bezai Zaide.
Uma batalha, um milagre
Afonso Henriques dispunha apenas de uma força de mil e quinhentos guerreiros, e foi nessas condições que se iniciou a batalha, tendo como palco Sacavém de Baixo, na margem do Rio de Sacavém, entre os actuais montes de Sintra e do Convento, junto à velha ponte romana, fortemente defendida pelos mouros, os quais haviam já iniciado a sua travessia, dispostos a desbaratar os portugueses.
Não obstante a significativa diferença numérica entre ambos os contendores, acabaram por vencer os cristãos. Muito embora a maior parte destes últimos tenha perecido, conseguiram ainda assim matar três mil muçulmanos a fio de espada, tendo os restantes mouros afogado-se no rio ou sido feito prisioneiros.
Esta miraculosa vitória foi atribuída à divina intervenção da Virgem Maria, que teria feito aparecer durante o combate «muitos homens estranhos que pelejavam com os cristãos». Como Afonso Henriques contou com o apoio de Cruzados para tomar a capital, podemos partir do princípio, mais ou menos seguro, de que os homens estranhos (id est, «estrangeiros») a que a fonte se reporta seriam esses cristãos oriundos da Europa do Norte.
Conta-se aliás que Bezai Zaide, perante o sucedido, ter-se-ia convertido à fé cristã e sido inclusive o primeiro sacristão da ermida dedicada a Nossa Senhora dos Mártires (assim chamada em honra dos cristãos que caíram na batalha), que D. Afonso Henriques ali mandou erguer passados poucos dias do recontro.
Ao mesmo tempo, o rei teria também mandado reconstruir a velha Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres (que se quedara em ruína sob a ocupação muçulmana, apesar de estes terem aparentemente permitido a manutenção do culto cristão, mediante o pagamento de um dado tributo - a jizya - às autoridades islâmicas), tendo feito dela sede paroquial de Sacavém e alterado a sua invocação, dedicando-a ora a Nossa Senhora da Vitória (em homenagem à sua estrondosa vitória sobre os mouros, devido à intercessão da Virgem).
Entre a história e a lenda
O primeiro a aludir a esta tradição foi o monge cisterciense de Alcobaça, Frei António Brandão, na sua Monarquia Lusitana (fóls. 170, 170 v. e 171) – afirmando basear-se numa tradição, já velha, recolhida entre as gentes de Sacavém; também Miguel de Moura, nas suas inéditas Memórias da Fundação do Mosteiro de Sacavém, alude a essa lenda existente entre os sacavenenses, que mandou averiguar quando desejou erigir o Convento de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição de Sacavém, no lugar da antiga ermida da Senhora dos Mártires, em 1577.
Contudo, não há quaisquer provas históricas que corroborem a existência de facto deste combate; as fontes coevas da conquista (como a conhecida Carta do cruzado inglês Randulfo ao clérigo Osberto de Baldreseia – a moderna Bawdsey, no Suffolk –, a qual relata em pormenor a expugnação da cidade), não fazem qualquer alusão a este embate às margens do rio de Sacavém.
No século XIX, o grande historiador e político Alexandre Herculano foi o primeiro a pôr em causa este facto, na sua conhecida História de Portugal. Hoje em dia, ela é comummente tida como sendo praticamente lendária, pelo menos com os contornos com que foi descrita...
O que pode realmente ter acontecido...
Segundo alguns historiadores, a tradição popular muito provavelmente encarregou-se de fazer de uma pequena escaramuça, sem qualquer significado prático, entre mouros e cristãos, um evento grandioso, no qual participariam não só o rei de Portugal como até a própria Virgem Maria (para conferir maior solenidade ao facto). Se no que toca à aparição da Virgem a meio do combate, apenas a crença e a fé de cada um podem falar, já sobre a presença pessoal de Afonso Henriques no combate há as mais variadas dúvidas.
É altamente pouco crível que em Sacavém se tenham ajuntado mouros vindos de locais tão longínquos como Óbidos, Tomar, ou Torres Novas. Contudo, não é inverosímil que se tenha aí travado algum recontro entre forças cristãs e muçulmanas, mais ou menos sanguinolento.
De facto, é inegável que, tomada Lisboa em 1147, as povoações à sua volta ainda em mãos de muçulmanos teriam que cair, quer entregando-se voluntariamente – como sucedeu, v. g., com Sintra –, quer dando batalha aos cristãos – o que nos parece menos provável, pois seriam mínimas as probabilidades de êxito. Se atentarmos na tradição fixada por Frei António Brandão, provavelmente terá sido isto que sucedeu em Sacavém (porém, não teria o combate sido travado antes da queda de Lisboa, mas talvez – a ter existido – depois da conquista da capital...).
De igual modo, os números do relato de Frei António Brandão são exagerados (como o costumam ser sempre neste tipo de eventos até ao dealbar da Idade Contemporânea), e dão a vantagem aos muçulmanos – como também é típico numa narração deste tipo, que não pretende o rigor histórico absoluto, antes apenas a apologia da parte mais pequena no campo de batalha, ou seja, dos cristãos. Se a superioridade muçulmana foi real ou se se trata apenas de um dado para engrandecer a vitória cristã, não nos é possível deduzir. Seja como for, o resultado final parece não carecer de contestação.
Enfim, a misteriosa aparição de estrangeiros a meio da batalha, pode ser tão lendária quanto o resto da história, ou talvez tenha algum fundo de verdade. Se é certo que Afonso Henriques tomou Lisboa com a ajuda dos cruzados, podemos fazer duas conjecturas: a de que, a meio da referida batalha do Rio de Sacavém, tenham surgido esses homens com aspecto diferente, língua diferente, até trajos diferentes, para ajudar os quase vencidos portugueses a triunfar dos muçulmanos em Sacavém (o que, aos olhos da mentalidade medieval, apenas se podia explicar como um milagre, de que resultou a reconstrução da Igreja de Nossa Senhora da Vitória e a edificação da ermida de Nossa Senhora dos Mártires, como já se disse); ou a de que, circulando histórias sobre essa gente estrangeira que teria capturado Lisboa aos mouros, os habitantes de Sacavém, desejando embelezar a sua «história», tenham adicionado a sua presença ao relato.
Seja ou não verídico, ainda hoje, contudo, a memória do confronto é evocada, pelo menos, nas armas da cidade – o escudo de vermelho relembra precisamente o sangue derramado na batalha do rio de Sacavém pelos guerreiros cristãos.
Precedentes
Após a conquista de Santarém, Afonso Henriques preparou-se para tomar Lisboa e assim consolidar definitivamente não só a linha do Rio Tejo como a própria independência de Portugal – o domínio do seu fértil vale garantia-lhe a plena auto-suficiência e malograva os planos leoneses de re-anexar Portugal.
Entretanto, espalhava-se pela Estremadura a notícia de que os cristãos já cercavam Lisboa, tornando-se imperativo ajudar adefender a todo o custo o derradeiro reduto muçulmano a Norte do Rio Tejo.
Assim sendo, ter-se-iam reunido nas proximidades de Sacavém, a norte do seu rio, prontos a dar luta e a desbaratar as forças de Afonso Henriques, cerca de cinco mil muçulmanos oriundos não só da Estremadura (Alenquer, Lisboa e Sacavém), como até do Oeste (Óbidos e Torres Vedras) e do Ribatejo (Tomar e Torres Novas), sob o comando do wali (alcaide muçulmano) de Sacavém, Bezai Zaide.
Uma batalha, um milagre
Afonso Henriques dispunha apenas de uma força de mil e quinhentos guerreiros, e foi nessas condições que se iniciou a batalha, tendo como palco Sacavém de Baixo, na margem do Rio de Sacavém, entre os actuais montes de Sintra e do Convento, junto à velha ponte romana, fortemente defendida pelos mouros, os quais haviam já iniciado a sua travessia, dispostos a desbaratar os portugueses.
Não obstante a significativa diferença numérica entre ambos os contendores, acabaram por vencer os cristãos. Muito embora a maior parte destes últimos tenha perecido, conseguiram ainda assim matar três mil muçulmanos a fio de espada, tendo os restantes mouros afogado-se no rio ou sido feito prisioneiros.
Esta miraculosa vitória foi atribuída à divina intervenção da Virgem Maria, que teria feito aparecer durante o combate «muitos homens estranhos que pelejavam com os cristãos». Como Afonso Henriques contou com o apoio de Cruzados para tomar a capital, podemos partir do princípio, mais ou menos seguro, de que os homens estranhos (id est, «estrangeiros») a que a fonte se reporta seriam esses cristãos oriundos da Europa do Norte.
Conta-se aliás que Bezai Zaide, perante o sucedido, ter-se-ia convertido à fé cristã e sido inclusive o primeiro sacristão da ermida dedicada a Nossa Senhora dos Mártires (assim chamada em honra dos cristãos que caíram na batalha), que D. Afonso Henriques ali mandou erguer passados poucos dias do recontro.
Ao mesmo tempo, o rei teria também mandado reconstruir a velha Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres (que se quedara em ruína sob a ocupação muçulmana, apesar de estes terem aparentemente permitido a manutenção do culto cristão, mediante o pagamento de um dado tributo - a jizya - às autoridades islâmicas), tendo feito dela sede paroquial de Sacavém e alterado a sua invocação, dedicando-a ora a Nossa Senhora da Vitória (em homenagem à sua estrondosa vitória sobre os mouros, devido à intercessão da Virgem).
Entre a história e a lenda
O primeiro a aludir a esta tradição foi o monge cisterciense de Alcobaça, Frei António Brandão, na sua Monarquia Lusitana (fóls. 170, 170 v. e 171) – afirmando basear-se numa tradição, já velha, recolhida entre as gentes de Sacavém; também Miguel de Moura, nas suas inéditas Memórias da Fundação do Mosteiro de Sacavém, alude a essa lenda existente entre os sacavenenses, que mandou averiguar quando desejou erigir o Convento de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição de Sacavém, no lugar da antiga ermida da Senhora dos Mártires, em 1577.
Contudo, não há quaisquer provas históricas que corroborem a existência de facto deste combate; as fontes coevas da conquista (como a conhecida Carta do cruzado inglês Randulfo ao clérigo Osberto de Baldreseia – a moderna Bawdsey, no Suffolk –, a qual relata em pormenor a expugnação da cidade), não fazem qualquer alusão a este embate às margens do rio de Sacavém.
No século XIX, o grande historiador e político Alexandre Herculano foi o primeiro a pôr em causa este facto, na sua conhecida História de Portugal. Hoje em dia, ela é comummente tida como sendo praticamente lendária, pelo menos com os contornos com que foi descrita...
O que pode realmente ter acontecido...
Segundo alguns historiadores, a tradição popular muito provavelmente encarregou-se de fazer de uma pequena escaramuça, sem qualquer significado prático, entre mouros e cristãos, um evento grandioso, no qual participariam não só o rei de Portugal como até a própria Virgem Maria (para conferir maior solenidade ao facto). Se no que toca à aparição da Virgem a meio do combate, apenas a crença e a fé de cada um podem falar, já sobre a presença pessoal de Afonso Henriques no combate há as mais variadas dúvidas.
É altamente pouco crível que em Sacavém se tenham ajuntado mouros vindos de locais tão longínquos como Óbidos, Tomar, ou Torres Novas. Contudo, não é inverosímil que se tenha aí travado algum recontro entre forças cristãs e muçulmanas, mais ou menos sanguinolento.
De facto, é inegável que, tomada Lisboa em 1147, as povoações à sua volta ainda em mãos de muçulmanos teriam que cair, quer entregando-se voluntariamente – como sucedeu, v. g., com Sintra –, quer dando batalha aos cristãos – o que nos parece menos provável, pois seriam mínimas as probabilidades de êxito. Se atentarmos na tradição fixada por Frei António Brandão, provavelmente terá sido isto que sucedeu em Sacavém (porém, não teria o combate sido travado antes da queda de Lisboa, mas talvez – a ter existido – depois da conquista da capital...).
De igual modo, os números do relato de Frei António Brandão são exagerados (como o costumam ser sempre neste tipo de eventos até ao dealbar da Idade Contemporânea), e dão a vantagem aos muçulmanos – como também é típico numa narração deste tipo, que não pretende o rigor histórico absoluto, antes apenas a apologia da parte mais pequena no campo de batalha, ou seja, dos cristãos. Se a superioridade muçulmana foi real ou se se trata apenas de um dado para engrandecer a vitória cristã, não nos é possível deduzir. Seja como for, o resultado final parece não carecer de contestação.
Enfim, a misteriosa aparição de estrangeiros a meio da batalha, pode ser tão lendária quanto o resto da história, ou talvez tenha algum fundo de verdade. Se é certo que Afonso Henriques tomou Lisboa com a ajuda dos cruzados, podemos fazer duas conjecturas: a de que, a meio da referida batalha do Rio de Sacavém, tenham surgido esses homens com aspecto diferente, língua diferente, até trajos diferentes, para ajudar os quase vencidos portugueses a triunfar dos muçulmanos em Sacavém (o que, aos olhos da mentalidade medieval, apenas se podia explicar como um milagre, de que resultou a reconstrução da Igreja de Nossa Senhora da Vitória e a edificação da ermida de Nossa Senhora dos Mártires, como já se disse); ou a de que, circulando histórias sobre essa gente estrangeira que teria capturado Lisboa aos mouros, os habitantes de Sacavém, desejando embelezar a sua «história», tenham adicionado a sua presença ao relato.
Seja ou não verídico, ainda hoje, contudo, a memória do confronto é evocada, pelo menos, nas armas da cidade – o escudo de vermelho relembra precisamente o sangue derramado na batalha do rio de Sacavém pelos guerreiros cristãos.
Fonte: Wikipédia.